15 août, 2025 Sexo & Ansiedade: Sim, as mulheres tocam-se
Porque não o admitimos?! Porque ainda temos tanta dificuldade em falar disso?
Sim, é verdade. Não é um mito. As mulheres tocam-se. Acariciam-se, esfregam-se, coçam-se, masturbam-se! Com as mãos, com os dedos, com legumes frescos, com objectos mais ou menos vibratórios. Até com o tampão...

Vocês sabem do que eu estou a falar, não há nenhum problema nisso. Somos mulheres modernas. Não há que ter vergonha em sentir e procurar o prazer, certo?
Então, porque não o admitimos?! Porque razão ainda temos tanta dificuldade em falar disso?
Mesmo nas conversas entre amigas íntimas, enquanto mexemos o café biológico e remexemos na mala, não atiramos para a mesa, como quem comenta os lances duvidosos do Sporting – Benfica ou faz o review da última exposição da Joana Vasconcelos:
– Por falar nisso, hoje passei meia-hora a masturbar-me. Foi o melhor bocadinho do meu dia...
Só de imaginar esta conversa, consigo ver chávenas a tremer, scones a voar e a Vanessa a cuspir uma boa golfada do seu caffe-latte vespertino. Para ela, provavelmente, seria o fim do Universo como o conhecemos.
Mas de onde vem tanto pudor, se todas o fazemos? É como se, chegadas ao século XXI, o pecado passasse a morar na confissão mais do que no acto em si.
Claro que sucessivos milénios de machismo empedernido explicam muita coisa, mas não era suposto estarmos a caminhar para uma nova era emancipada, convergindo das trevas para a luz
Que um homem esgalhe o pessegueiro é perfeitamente aceite e natural. A mãe dele ficaria preocupada se não o fizesse. Mas, que uma mulher se masturbe, deve permanecer no segredo dos deuses. Porquê?
A ciência aconselha-o. O bom senso recomenda-o. A fisiologia exige-o. Então, porque temos que continuar a abraçar as trevas e a apagar a luz cada vez que nos queremos divertir um bocado sozinhas? Qual é exactamente a vergonha? Ou talvez a pergunta seja: quem continua a perpetuar essa vergonha? Nós ou eles?
Tudo isto a propósito do que aconteceu à Júlia há umas semanas atrás. Naquele dia particular, o trabalho levou-a até perto de casa.
Aproveitou para almoçar ali e, sobrando-lhe ainda meia-hora antes de voltar ao expediente, decidiu esticar-se um bocadinho na cama a descansar a vista. Não aconteceu porque de repente, o Johnny Depp apareceu-lhe na Netflix.
Uma coisa leva à outra e, quando o namorado entrou no quarto de surpresa, foi dar com ela escancarada com os dedos bem enterrados lá dentro.
Fosse ele a bater uma com o catálogo da Victoria Secret (nem que fosse a TV Guia!) e estava tudo bem. Mas sendo ela... Todo um escândalo!
Em vez de aproveitar a situação (bastar-lhe-ia um mínimo de imaginação sensual), descarregou em cima dela jactos abundantes de moralidade distorcida por séculos de civilização patriarcal:
- Mas que merda é esta?! Uma mulher de bem não faz porcarias destas! Precisas mesmo de recorrer a essas badalhoquices para te sentires mulher?!
Sobretudo, perguntava-se, com o grande “altruísmo” que define os homens, onde ficava “ele” na história? “Ele” não lhe chegava? “Ele” não a satisfazia? Era assim que ela honrava a relação, o compromisso que “ele” tinha assumido cheio de boas intenções?
Levava as mãos à cabeça, antecipando horrores: o que diriam os amigos “dele” se soubessem?!
Tão desvairado estava que, provavelmente, até se esqueceu de lhe perguntar se ela já lhe tinha lavado as meias e a que horas pensava servir o jantar :-P
Perante isto, a Júlia não se descoseu. Para drama queen, bastava-se a si própria. Puxou as cuecas para cima e mandou o elevador para baixo, com ele bem acondicionado lá dentro. Até hoje.
- Um homem é capaz de matar um escorpião, mas não aguenta ver uma gaja a limpar as teias de aranha. - comentou a Jorge, com o tom cáustico que a caracteriza. Até a Vanessa se riu, antes de mandar vir mais um pratinho de ostras.
Não sei exactamente o que explica esta e outras dualidades ainda bem presentes na eterna batalha dos sexos. Mas sei que temos o direito, e talvez até o dever, de ser mais explícitas acerca dos desejos e necessidades que pontuam a nossa natureza feminina. Até para minimizar mal-entendidos.
Falando por mim, quando tenho vontade, tenho vontade. Não é por ninguém nem contra ninguém. É pela biologia, pela inspiração, pelo alívio, pelo desejo... Ou pelo que une e resume tudo: por simples tesão!
Porque sou mulher, porque sou livre, porque me foi concedida, como a qualquer outro ser humano, a liberdade e a possibilidade do prazer.
Faço-o sozinha. Faço-o acompanhada. Faço-o quando e como me dá na telha. E é verdade que não tenho que o apregoar, é verdade que não tenho que me vangloriar. Mas também não tenho que o esconder.
Sim, nós tocamo-nos. Esfregamo-nos, acariciamo-nos, coçamo-nos, masturbamo-nos. E vimo-nos, o que ainda é mais tabu.
E tal não contempla, necessariamente, a existência de um parceiro, seja ele real, virtual ou residual. Nem sequer dum Johnny Depp a meio da tarde para descansar a vista. Assim como eles o fazem, também nós nos desenrascamos bem sozinhas. Basta querer.
No final das contas, talvez a vergonha e a culpa inerente que tanto nos ofende ainda, seja tão nossa como deles. De séculos e séculos de moralidade enraizada pelo pensamento machista.
Estamos ainda, todos e todas, muito formatados pelo passado. Mas, ao contrário de outras etapas da evolução que se aconselha fazermos juntos, a responsabilidade de mudar este estado de coisas, em particular, não depende dos homens.
Seja onde e quando for, a sós ou acompanhadas, o destino das liberdades femininas está inteiramente “nas nossas mãos”!
Todas o fazemos. Só falta acender a luz...
Pensem nisso, deixem-me os vossos comentários (sexo-e-ansiedade@hotmail.com) e até para a semana!
Beijos da
Sara X
(Sara escreve de acordo com a antiga ortografia)
Sara X
Sexo & Ansiedade é uma crónica semanal assinada por Sara X, sobre a vida na cidade de 4 amigas – a própria autora, Júlia, Jorge e Vanessa –, que nos oferece um mosaico pitoresco das experiências quotidianas, stresses, problemas e aventuras da mulher moderna, com especial enfoque nas áreas amorosa e sexual.
Actuais e divertidas, curiosas e activas, tão diferentes e tão iguais, Sara e as amigas personificam a mulher do Século XXI na sua busca pela definitiva libertação, vencendo obstáculos e derrubando barreiras, sem nunca deixarem de fazer, pelo caminho, a festa que merecem...
Sara X é uma mulher directa, independente e sedutora. Escritora de profissão, distingue-se pela forma prática, “fora de merdas”, como olha para a vida. De natureza aberta, bissexual, gosta de chamar as coisas pelos nomes e escreve sobre o sexo tal e qual como o pratica: sem inibições.
As suas crónicas chegam agora ao Blog X
onde, por maiores que sejam os segredos e mistérios do “eterno feminino”, Sara não deixará nada por dizer!
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