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03 julho, 2017 Prostituição Antes do 25 de Abril: O escândalo Ballet Rose

Caso de pedofilia e prostituição de menores com meninas de 8 e 9 anos quase fez cair Salazar.

Em 1967, rebentou um escândalo sexual que quase fez cair o Estado Novo, um ano antes de Salazar cair da cadeira. Envolvendo altas figuras do regime e da sociedade da época, este caso de prostituição de menores, com meninas dos 8 aos 14 anos, ficou conhecido por Ballet Rose.

Prostituição Antes do 25 de Abril: O escândalo Ballet Rose

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+ Relatos de mulheres que se prostituíam
+ As Madames de luxo do tempo de Salazar
+ Homossexualidade, repressão e tortura

Condes e Marqueses, proprietários de hotéis, administradores de Bancos, industriais, empresários, um padre e ministros do Estado Novo foram "apanhados" no escândalo Ballet Rose que envolvia pedofilia com meninas que tinham 8, 9, 10 anos.

As mais velhas delas, apanhadas nesta rede de prostituição infantil para os altos figurões da época, não tinham mais de 14 anos e entre os altos quadros envolvidos estaria o então ministro da Economia de Salazar, Correia de Oliveira (1921-1976), um católico fervoroso, e o ministro da marinha, Quintanilha Mendonça Dias (1898-1992), segundo alega um dos advogados envolvidos no caso à época, Joquim Pires de Lima, numa entrevista ao jornal Público, em 2009.

"Filhas de mulheres-a-dias"

Tudo terá partido de uma denúncia anónima que levou a Polícia a prender uma modista de 36 anos que era a principal angariadora das meninas e que foi a única grande responsabilizada pela justiça.

Uma das raparigas envolvidas procurou o advogado Joaquim Pires de Lima para a defender, acabando por denunciar todos os implicados, conforme este relata numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, para a revista Pública do jornal Público, de 12 de Julho de 2009.

"Tudo começou quando uma moça dos seus 16 anos me procurou, com a mãe e o namorado, porque estava a ser apertada na Polícia Judiciária para prestar declarações. Acerca das razões que a levavam a casa de uma senhora modista, que era tida como uma desencaminhadora de menores. E para identificar os indivíduos que estavam relacionados com essa senhora. Tinha receio de que a levassem presa. Isso levou-me a telefonar ao director da Judiciária, com quem tinha boa relação, bem como ao Antunes Varela [o então ministro da Justiça]. Provoquei um grande escândalo dizendo que, com a minha cliente, à PJ, ia eu! Não conhecia o instrutor do processo. Mais tarde detectei quem ele era; era um que estava ligado ao assassinato do [Humberto] Delgado, o agente Parente. Quando soube, denunciei-o. Obriguei a miúda a dizer os nomes de toda a gente. Ficou a saber-se que desde os nove anos andava a ser aproveitada por indivíduos como o conde Monte Real, o conde Caria, o conde da Covilhã, uma data de gente da alta sociedade."

Pires de Lima destaca na mesma entrevista que não chegou a apurar se as meninas tinham "relações completas" com os envolvidos, mas destaca que a Polícia não queria que a rapariga que representou dissesse os seus nomes. Percebe-se porquê, uma vez que o caso abalou os responsáveis da época, estando em causa "um processo de corrupção de menores, com impúberas de nove anos" e "miseráveis", nota o advogado, evidenciando que as meninas eram, maioritariamente, "filhas de mulheres-a-dias".

Só a modista foi presa

Este relato privilegiado de quem viveu o caso, em primeira mão, dá-nos ainda a perceber que houve várias pressões para abafar o caso, com ataques ao advogado da rapariga denunciante e com Antunes Varela a demitir-se do cargo de ministro da Justiça em discórdia com esse facto.

Deste modo, só a modista acabou na cadeia, cumprindo dois anos de prisão, enquanto o grosso dos homens envolvidos no Ballet Rose não foi sequer acusado, conforme explica Pires de Lima na Pública.

"As vítimas do Ballet Rose não foram defendidas, nem os arguidos acusados, numa audiência pública. Tudo se manteve numa base secreta. Não foi feita prova de que, algum deles, alguma vez, tivesse violado uma rapariga. Todos tentaram aliciar as meninas, mas não consumaram."

Ora, num tempo em que as pessoas podiam ir presas por darem um beijo em público ao namorado, nenhuma das altas figuras envolvidas no escândalo sexual foi condenada.

Foram movidos apenas, dois processos, a um hoteleiro e a um administrador do Banco Espírito Santo, que acabaram por pagar uma "caução de boa conduta" por "vícios contra a natureza" - isto é, sexo oral -, conforme se relata no livro "O Processo das Virgens", editado em 1975.

Nesta publicação histórica, é transcrito o auto das declarações de uma das meninas do Ballet Rose na Polícia, identificada como "Estrelinha", que foram prestadas a 30 de Maio de 1966.

"Quando tal aconteceu, ainda não tinha feito os 10 anos, mas já tinha feito os 9.
Conheceu este indivíduo ("Conde de Tomar"), também quando transitava na rua com a sua mãe. Convidou-as a entrar no carro que ele próprio conduzia e levou-as então para um apartamento na Avenida António Enes, em local que saberá identificar se lá for levada. Ali, com ele e a sua mãe, "brincaram" os três, na presença uns dos outros, todos despidos, "brincadeiras" essas que consistiram em ele lhe beijar os órgãos genitais, e a respondente e sua mãe chupar-lhe o pénis."

"A caça à lolita no jardim do ministro"

O caso ocorreu perto da altura em que Salazar caiu da cadeira e Pires de Lima, um homem de esquerda cujo pai estava envolvido nas altas esferas do regime, diz que o ditador soube do caso antes de ser denunciado, mas nota que não tem a certeza quanto tempo antes ficou a conhecê-lo.

Certo é que os jornais portugueses, amordaçados pelo Estado Novo, não noticiaram o escândalo, mas no estrangeiro, a imprensa não ficou indiferente e vários jornais anunciaram o caso com detalhes.

O italiano ABC publicou um artigo sobre o Ballet Rose com o título "A caça à lolita no jardim do ministro", onde revela os contornos das "brincadeiras" que decorriam na casa de um ministro muito próximo de Salazar, com meninas com idades até aos 14 anos, conforme se descreve no Livro 23 - "1967 - Ballets Rose" - da colecção "Os Anos de Salazar".

"Nos jardins da grande moradia que esse ministro tinha no Estoril, realizavam-se frequentemente aquilo que era descrito como "caçadas", durante as quais uma dezena de miúdas completamente despidas, com excepção dos sapatos e de uma cabeleira com uma fita colorida, eram soltas como se de uma reserva animal se tratasse. Uma vez em liberdade, os caçadores - "diversos aristocratas, o tal ministro e altos funcionários estatais" - seguiam-lhes no encalço, igualmente despojados de roupas e também com uma fita colorida. O "jogo" consistia na captura da rapariga que tivesse a fita com a mesma cor que o seu "caçador" e na consequente consumação do acto sexual. Noutras ocasiões, as menores dançavam nuas sob holofotes de luz rosa, prática conhecida como "Ballet Rose" e pela qual o caso ficou conhecido."

Diz-se que a "Lolita" no centro da história, que ficou conhecida por Laurinha, se tornou dona de um célebre restaurante em Lisboa.

Ela foi eternizada na série televisiva "Ballet Rose - Vidas Proibidas", escrita por Francisco Moita Flores e Felícia Cabrita e exibida pela RTP1 em 1998, onde a actriz Sofia Alves faz de Laurinha, interpretando cenas íntimas que deram que falar.

Gina Maria

Gina Maria

Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.

"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]

+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas) 

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