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24 August, 2020 David - Parte I

Quando olho para ele algo me bate no peito de outra maneira. Não consigo explicar o motivo, mas aconteceu...

Todas as manhãs ele ia tomar o pequeno ao café onde trabalhava. Todos os dias a mesma coisa, um sumo de laranja natural e um croissant doce com fiambre e pouca manteiga. Chamava-se David. Todas o achavam um tipo giro. Eu pessoalmente respondia sempre o mesmo, “não é feio”...

David - Parte I

Ele era super simpático e atencioso, tanto comigo e com as minhas colegas, como com qualquer vizinho que por ali vivia e frequentava o mesmo espaço. É uma pastelaria local onde habitualmente muita gente que mora ali pelas redondezas vai. Talvez isso o torna-se mais bonito aos olhos dos outros. Acredito que sim.

E assim o tempo foi passando.

Certo dia, sem mais nem porquê, ele entra e faz o seu pedido como habitual e quando olho para ele algo me bate no peito de outra maneira. Não consigo explicar o motivo nem o que me levou a sentir isso, mas aconteceu de facto.

Foi estranho.

- Bom dia! – cumprimentou-me com aquele seu enorme sorriso aberto.

Respondi-lhe:

- Bom dia David! Vai ser o habitual ?

- Hoje pode ser meia torrada com o sumo de laranja. Hoje apetece-me trocar-te as voltas. – responde-me a rir.

Mal ele sabia como já me tinha trocado as voltas quando o vi naquela manhã.

- Uau! Estamos a inovar. – respondo-lhe com ar de gozo.

Ele responde-me com uma gargalhada e ficámos por ali mesmo.

O David tomou o seu pequeno almoço e leu o jornal como habitualmente fazia. Percebo que também se vai colocando a par das vendas de carros e motas através do telemóvel. Volta e meia vou levando os pedidos às mesas e lanço sempre um olhar para perceber o que faz e o que vai vendo.

- Soraia, trazes-me um café? – pergunta-me!

- Então não! – respondo-lhe rapidamente – É para já!

Lança-me um sorriso. Merda de rapaz que é tão simpático! De certeza que foi com aquele sorriso que me despertou qualquer coisa. Não sei! Ainda estou para descobrir.

Passado um pouco vai ter comigo e pede-me a conta. Tratamos de tudo e vai embora.

Percebo que fica ainda um pouco na rua enquanto conversa com um amigo que entretanto terá chegado. Pouco depois foram os dois embora.

Cerca de meia hora depois o David volta a entrar no café, mas desta vez com um ar menos animado e desesperado.

- Soraia, por acaso viste o meu telemóvel? Deixei em cima da mesa? Apanhaste alguma coisa?

- Não David, não encontrei nada, mas posso perguntar à Cátia. Dá-me um segundo.

Fui perguntar à minha colega e nada. Também ela não terá visto nada.

Apesar de lhe achar piada, assim de repente, mas sempre fiz questão de manter uma certa distância entre clientes e funcionários. Dou-me muito bem com toda a gente, mas na hora da proximidade não o permito. Não permito números de telemóvel, não permito piropos ou indiretas, nem tão pouco trocas de redes sociais. Não quero que as pessoas confundam a minha vida pessoal com o âmbito de contexto de trabalho em que me conheceram para que não se sintam muito á vontade para ganhar confiança para algo mais. Há sempre gente que tenta.

Pensei em emprestar-lhe o meu telemóvel para que pudesse ligar para o seu, mas antes disso disse-lhe que procurasse melhor perto da zona onde esteve a conversar com o amigo e onde tinha o carro que podia ser que tivesse caído por ali, ou até mesmo debaixo dos tapetes do carro. Quando percebemos que não havia mesmo sinal do telemóvel perguntei-lhe com um ar de dúvida quanto ao que estava a fazer:

- Queres ligar do meu telemóvel?

Ao que ele me responde:

- Não te importas?

- Claro que não! – na verdade importava-me um pouco, mas percebi o seu ar desesperado e coloquei isso de parte – Leva para a rua e liga.

Assim foi. Procurou, procurou, procurou, mas nada. Nem sinal.

- Olha Soraia, obrigada na mesma, mas não encontro mesmo. Nem acredito, vou ter que ir comprar outro telemóvel. Em tão pouco tempo já são três telemóveis.

- Ah! Então tens currículo. – respondi-lhe a rir – Ok! Desculpa, péssima hora para brincadeiras, eu sei.

- Achas que sim! Na boa.

- Olha se entretanto encontrarmos ou alguém encontrar e devolver guardamos!

- Eu duvido que isso aconteça, mas ok. Obrigada e desculpa! Até logo!

- Até logo David. Bom trabalho!

Coitado... Àquela hora da manhã perder o telemóvel é só a maior merda, até para os meninos bonitos com olhos cor do mar como os dele, mas enfim, a vida continua.

Passado uma hora, mais coisa menos coisa, o meu telemóvel toca, uma mensagem recebida de um número desconhecido.

Era ele! O meu coração bateu forte, tal como naquela manhã quando olhei para ele.

David 1

Larguei todo o trabalho que tinha para ler a sua mensagem :

“ Nem vais acreditar. O telemóvel estava caído no meio da estrada. Devo tê-lo deixado em cima do capô quando ainda estava por aí. Arranquei nem me lembrar dele e no final da recta, ao curvar, deve ter caído no chão e ainda lhe passei por cima. Imagina o peso do jipe em cima do ecrã. Está todo partido, mas ao que parece ainda funciona. Menos mal. É só trocar o ecrã. Obrigada por tudo. És uma querida Soraia. Beijo, David. ”

Wooooow! Entrei numa histeria interna. A mensagem não era nada de especial, mas ao menos ele teve a atenção de me dizer alguma coisa, o que sugeria também, na hora, que ele possivelmente terá além de guardar o meu contacto, ter-se-ia lembrado de mim. Tínhamos progressos.

Respondi-lhe:

“ Olha que bom. Afinal nem tudo está perdido. O dia já não corre assim tão mal. Foi só uma ameaça, ahahah. Beijo ”

E por ali ainda trocámos algumas outras mensagens nas quais ele me agradecia novamente e dava alguma conversa fiada e me elogiava como sendo uma querida para si, mas como entretanto deixou de responder rapidamente desvalorizei a situação. É verdade que a minha última mensagem para ele não era nada que tivesse direito a grandes respostas, mas penso que se houvesse ali algum interesse que poderia ter dito algo mais, mas isto é só a mente feminina a pensar. Ponderei ainda que poderia dizer algo mais até ao fim do dia, ou no dia seguinte ou nos dias que se seguiram depois, mas enganei-me redondamente. Não disse mais nada e eu também não.

Pensei:

"Bom, isto morreu por aqui mesmo."

Ao longo do tempo ele continuava a ir ao café onde trabalho e não passávamos de olhares subtis e sorrisos. Pensei sempre que eventualmente poderia dizer algo numa tentativa de tentar desmistificar a situação, mas não, continuava ainda redondamente enganada. E eu? Eu também não disse nada. Nunca fui de ir atrás de ninguém, não seria agora.

Rapidamente esqueci essa possibilidade. Poderia ser só ele sendo ele próprio, porque de facto podem existir pessoas, até mesmo homens, no plantea Terra, assim meigos, atenciosos e simpáticos como ele e como na altura andava meio que apaixonada por um crush acabei mesmo por desvalorizar a situação, mas sempre que o via “ pumba ” , havia qualquer coisa que me batia que não sabia identificar.

O tempo foi continuando a passar e entretanto vi-me com um problema de saúde o qual me impedia e dificultava fazer os turnos diurnos no meu serviço, então pedi a uma das minhas colegas que trocasse comigo, e é por esse motivo que depois fiz as noites cerca de duas a três semanas consecutivas.

Entretanto melhorei e volto ao serviço pelas manhãs.

Estou muito na minha, a meio do expediente e eis que aquele deus grego entra porta a dentro.   

Confesso que gostei muito de vê-lo.

Ele entra e cumprimenta toda a gente com aquele sorriso magnífico de sempre e com um bom dia e diz-me:

- Soraia já não te via há tanto tempo!

- É! Andei aí com uns problemas nas costas e fazer manhãs obriga-me a mais esforço a montar esplanada, levantar grades, então troquei para as noites. – respondi-lhe.

- Sério?! Mas estás bem?! Precisas de alguma coisa? Vê lá se estás bem para trabalhar, ainda provocas algo pior! Mas o que é que tens ao certo?

Enfim!... Fez uma série de perguntas e mostrou um real interesse em relação ao meu estado de saúde e ainda partilhou algumas experiências que teria tido também. Como é possível ficar indiferente a uma pessoa assim? Não dá! Não é possível !! Este rapaz é mesmo um amor e giro que dói. Aquele sorriso…

Desde esse dia e não sei porquê, senti que ele olhava mais para mim e muitas das vezes nem se importava que os nossos olhares se cruzassem. Decidi fazer-lhe o mesmo. No lugar de desviar o olhar e fingir que não estou a perceber nada, não! Decidi fazer-lhe frente e sorrir-lhe tal como ele fazia comigo e assim fomos andando… mas sem irmos a lado nenhum. Continuávamos sem mensagens ou qualquer outro sinal, mas desta vez eu sentia algum reciprocidade da parte dele, mesmo que em silêncio.

Mais uma vez o tempo foi passando. A história continuou sem qualquer desenvolvimento.

Reparo que ele começa a ver as minhas histórias do Whatsapp, mas nada mais que isso e penso sempre:

“PORQUÊ?! ”

Eis que entretanto o mundo é interrompido pelo vírus em voga. O Covid-19 começa a dar tudo, entra em Portugal e começam-se a fechar portas. Também o café onde trabalho se viu obrigado a fechar e por esse motivo entrei em isolamento social.

Passados dois dias depois disso faço uma publicação de uma foto minha à noite, no terraço onde apenas aparece um copo de Martini e um cigarro que são a minha distração.

Na manhã seguinte ele respondeu e assim que abri os olhos e vi aquilo soltei um gemido “HMMMMMMM”, como se já estivesse a imaginar um cenário que até então nunca teria acontecido. Esta minha imaginação não pára nunca.

Abro a mensagem.

(continua...)

Alexa

Alexa

Uma mulher com imaginação para dar e vender.
Sempre gostei de escrever, mas coisas eróticas... isso gosto mais. Levar um homem à loucura através de palavras e da sua própria imaginação. Como adoro...

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