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03 July, 2025 A janela em frente - Parte 5

Valeria a pena arriscar tudo por um momento fugaz de depravação?

Como sempre que falava com ele, depois de desligar o telemóvel, fiquei com as mãos e as pernas a tremer. Já não conseguia tirar aquela voz da minha cabeça, rouca e cheia de promessas...

A janela em frente - Parte 5

 

– Fodo-te esse cu todo até te saltarem lágrimas dos olhos!

As coisas que ele me dizia, e como as dizia, incendiavam-me e ao mesmo tempo, aterrorizavam-me. Ele queria mais...

– Quero esporrar para essas beiças de vaca, para ficares com nhanha a pingar até ao queixo! Vou usar-te como uma latrina.

– Sim, quero, usa-me como a tua latrina!

– Uma latrina nojenta, onde todos os dias cagam e mijam e cospem centenas de homens e mulheres!

– Foda-se, deixas-me a cona ensopada!

– E depois não tomes banho. Percebeste?

– Sim...

– Quero-te assim cheirosa, a cheirar a esporra seca, a cona suja, a cu suado... A cheirar a porca barata!

– Simmm, a tua porca reles!

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Ele queria a carne e o osso, o sangue e a víscera! E eu, apesar de toda a resistência que tentava impor a mim própria, começava a querer o mesmo.

Naquela manhã, depois de mais uma sessão à janela que me deixara o corpo a pulsar e a mente num caos absoluto, sentei-me na cozinha, com uma chávena de café que não consegui beber.

Contemplava a minha existência, tentando com isso, talvez, reencontrar o equilíbrio que via fugir-me como um tapete debaixo dos pés. Os miúdos estavam na escola, o meu marido no trabalho, mas aquela sensação de ficar sozinha com os meus pensamentos, que tanto prazer me dava, já não era um momento agradável, mas de inquietude.

Agora, achava o silêncio da casa ensurdecedor.

Levantei-me para limpar a bancada, apenas para a descobrir impecavelmente limpa. Olhei as fotografias na parede, o dia do meu casamento, os primeiro aniversários dos meus filhos, umas férias na praia...

Toda a vida que eu construíra com tanto empenho e cuidado, tijolo a tijolo, de repente parecia-me... Um deserto! Ou pior ainda: uma prisão!

Tinha que me masturbar uma e outra vez, só para conseguir sair do torpor vicioso em que esses pensamentos me afundavam.

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Lembrei-me do meu marido na noite anterior. Pobre coitado. Chegara cansado, como sempre, e jantámos em silêncio. O silêncio agora era a nossa linguagem comum. Não tanto por ele, pois ao início ele tentava falar de coisas do seu dia. Era eu que não respondia, por não conseguir sentir nenhum tipo de interesse sobre nada do que ele tinha para dizer.

Então, calávamo-nos os dois. A seguir, enquanto eu lavava a louça, ele sentou-se no sofá, a ver televisão, com a maior despreocupação do mundo, como se nada se passasse, como se tudo estivesse bem. Coitado, ele nem fazia ideia! E isso fez-me sentir um vazio tão grande que quase me faltou o ar.

Não o deixava tocar-me há semanas. Não por falta de amor da sua parte. Era eu, eu que um dia fora uma mulher tão aberta e disponível para os desejos, que lhe fugia, pois sentia-me a desaparecer.

Nada me estimulava no seu toque, na sua nudez, nas suas intenções... Parecia que o meu corpo morria mal ele se aproximava de mim. 

O homem com quem partilhava a cama, as contas, as responsabilidades. Não o odiava. Pelo contrário, amava a sua maneira tranquila e previsível. Mas esse amor já não me incendiava. Já não me fazia sentir viva.

Todo o contrário de quando me chegava à janela e o procurava do outro lado, o meu belo vizinho, com o seu corpo sempre despido, quase sempre de pau feito, e o seu olhar desafiador, convidativo, a oferecer-me uma saída.

Bastava um olhar para sentir as lágrimas do prazer a escorrer do meio das minhas pernas.

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Levantei-me e caminhei até ao quarto. Como sempre que ele não me dizia nada durante algum tempo, estava cheia de tesão, com as cuecas alagadas.

Abri o armário e tirei um vestido, o mais sexy que tinha. Justinho, curto, sensual. Vermelho,  uma cor que raramente me permitia. Pus o vestido e vi-me ao espelho.

Pensei nos meus filhos. O mais velho e os seus abraços apertados, chamava-me "a melhor mãe do mundo". O mais novo ainda me pedia para lhe ler histórias à noite. Eles eram o meu mundo, o meu chão.

O meu amante imaginário, virtual, telefónico, não me conhecia como mãe, como esposa, como a mulher que passava horas a planear refeições e a dobrar roupa. Para ele, eu era só um corpo, uma racha, só tesão, expectativa e prazer. E para mim, por mais errado que fosse, isso era libertador.

Tirei o vestido. Fiquei nua diante do espelho. Ainda era bonita. Ainda tinha curvas que faziam os homens virar a cabeça.

Mas apenas pensava na cabeça dele, do meu vizinho sem nome, do estranho que me conseguia despir com os olhos através de uma janela. Que, em poucas semanas, me devolvera algo que eu nem sabia ter perdido: o desejo de ser vista, tocada, possuída!

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Ainda assim... Trair o meu marido?! Passar da fantasia aos actos? Isso era outra coisa! Era atravessar uma linha da qual não haveria retorno.

Não conseguia ignorar as consequências. E se o meu marido descobrisse? Se fizesse escândalo? Se me quisesse tirar as crianças?

E se os miúdos sentissem a mudança em mim? E se a mulher dele, os filhos dele, toda essa teia de vidas que nos envolvia, desmoronasse por causa de um momento de fraqueza?

Uma foda fortuita num vão de escadas, num descampado, num qualquer beco escuro a cheirar a merda de pombo e a mijo de gato?

Valia a pena arriscar tudo por um momento fugaz de depravação?

O meu medo era real, tal como a ameaça, uma pedra no meu peito. Mas, ao mesmo tempo, havia aquele desejo quente que me queimava, urgente, inevitável, a puxar na direção oposta.

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Naquela tarde, enquanto arranjava a roupa dos miúdos, encontrei uma meia perdida do meu filho mais novo, tão pequena que quase cabia na palma da minha mão. Sorri, mas logo senti os olhos a arder.

Se eu fizesse aquilo que desejava, se me entregasse ao meu amante, estaria a trair não só o meu casamento, mas também a eles.

A mãe que eles conheciam não abria a porta a estranhos. Não abria as pernas nem se despia para os olhos de outro homem. Não gemia com prazer quando sentia a sua verga dura rasgar-lhe a cona ávida, encharcada. Essa mãe não sufocava de prazer proibido...

Apetecia-me esbofetear-me a mim própria para sair daquele transe, daquela obsessão! Não sabia quanto tempo mais aguentaria.

Foi então que o telemóvel vibrou. Uma mensagem:

"Imagina. Imagina-me aí, contigo..."

Fechei os olhos e deixei-me imaginar. Um vão de escadas, um descampado, um qualquer beco escuro a cheirar a merda de pombo e a mijo de gato...

O calor do seu corpo contra o meu, o peso das suas mãos, a força com que me agarrava as tetas... O cheiro da sua pele, o volume imenso do seu caralho cheio de veias, a furar-me e alagar-me toda por baixo...

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Não era apenas sexo, era a promessa de me sentir viva, inteira outra vez! E, pela primeira vez desde que nos conhecêramos, em vez de a afastar, deixei a ideia crescer dentro de mim e engrossar como uma pila dura no sexo húmido da fantasia.

Respondi-lhe:

"Sim, imagino. Imagino o teu toque na minha pele. Mas não quero imaginar mais. Quero senti-lo no corpo. Real. No sexo!”

Estava decidida. Só me faltava definir o onde e o quando.

Nessa noite, durante o jantar, o meu marido voltou a falar sobre a festa do bairro que se avizinhava. Só faltavam dois dias e, "como eu sabia", ele iria estar num stand a vender comes e bebes.

Ele era assim mesmo, sempre fora. Tinha sempre que ajudar, estar envolvido, participar por dentro. E "ia ser bom sair um pouco, não era?"

Não tive coragem de lhe dizer a verdade. Respondi-lhe que sim, com um sorriso amarelo, sem sequer o olhar nos olhos. Ele não reparou, ainda estava concentrado no prato da esparguete.

A merda da festa! Já me tinha esquecido. Não me apetecia nada enfrentar as ruas cheias de gente, a música, a confusão, os cheiros da gordura, carne, ranço...

Arrepiava-me só de pensar que aquele momento inevitável chegaria, e que teria que me armar em mãe galinha, com os filhotes pela mão, e passear-me pela vizinhança com sorrisos forçados, conversas de merda e falsa simpatia.

Só de imaginar ficava agoniada. Até que, de repente, o meu coração deu um salto! Outra vez, eu disse... "Imaginar"?

– Imagina!

E, dessa vez, eu imaginei: a derradeira fantasia! A oportunidade perfeita! Nem me importava que fosse num beco escuro.

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Deitei-me, nessa noite, com a decisão tomada. Não seria hoje, não seria amanhã, não seria no calor dum momento de impulsividade. Mas na festa, sim. Porque não?!

Lá, entre a multidão... Ninguém repararia se eu me afastasse por uns minutos. Deixaria os miúdos com o pai. Ele não podia sair. Ninguém saberia. E eu daria o passo! Arriscaria tudo!

Por um momento de verdade, de paixão, de liberdade.

Sempre dera tudo por eles. “A melhor mãe do mundo”, a melhor esposa... Era justo! Merecia-o! Pagara-o!

Sobretudo, precisava...

Precisava disso como de oxigénio nos pulmões. Mesmo que fosse – e eu sabia que era – a  maior mentira que alguma vez contara a mim própria.

(continua...)

A janela em frente - Parte 4

A janela em frente - Parte 1

Armando Sarilhos

Armando Sarilhos

Armando Sarilhos

O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.

Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.

Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com

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