03 May, 2025 Como os rituais nos transformam
A sabedoria de Confúcio aplicada aos dias atuais.
Imagine-se numa mesa de jantar, a ensinar o seu filho a dizer “por favor” e “obrigado”. Parece uma cena simples, quase trivial, mas, para o filósofo chinês Confúcio, este pequeno momento é um exemplo poderoso de algo muito mais profundo: um ritual que molda quem somos e como nos relacionamos com os outros.

Para Confúcio, os rituais não são meras formalidades ou tradições vazias – são ferramentas transformadoras que nos ajudam a superar os nossos hábitos automáticos e a tornarmo-nos melhores seres humanos.
Neste artigo, exploro os ensinamentos de Confúcio, com base nas suas ideias sobre o self, os hábitos e o poder dos rituais, apresentados de forma humana e acessível.
Quem somos, afinal?
Para Confúcio, a ideia de que temos um "verdadeiro eu" que devemos descobrir é uma ilusão. Não nascemos com uma essência fixa ou um destino pré-definido.
Em vez disso, chegamos ao mundo como um "amontoado" de energias, emoções e potencialidades – uma espécie de caos à espera de ser moldado.
À medida que crescemos, somos influenciados pelas pessoas e situações à nossa volta. Um sorriso faz-nos sentir alegria; uma repreensão desperta raiva.
Com o tempo, estas reações tornam-se padrões automáticos, que repetimos sem pensar, como se fossem parte de quem somos.
Pense nisto: quantas vezes já se viu a reagir da mesma forma a situações diferentes, quase como se estivesse programado? Talvez se irrite com pequenas coisas ou sinta alegria por algo que, no fundo, não é assim tão significativo.
Para Confúcio, estes padrões – ou ruts, como ele os chama – não são o seu "verdadeiro eu". São apenas hábitos que se enraizaram desde a infância. E o perigo está em aceitá-los como a nossa identidade, porque isso limita quem podemos ser e como nos relacionamos com os outros.
Os hábitos: amigos ou inimigos?
Na nossa sociedade, tendemos a ver os hábitos como coisas superficiais, que podemos mudar com força de vontade.
Por exemplo, se comprar muita roupa, pode decidir comprar menos ou passar a comprar roupa em segunda mão para poupar o ambiente.
Mas Confúcio vai mais longe: para ele, os hábitos mais perigosos são aqueles que nem percebemos, porque estão tão entranhados que os confundimos com a nossa personalidade.
Imagine um amigo que repete sempre o mesmo tipo de relação, independentemente de quem está a namorar. Ou alguém que reage com raiva a críticas, mesmo quando são construtivas.
Estes não são apenas "maus hábitos" – são padrões profundos que moldam a forma como vivemos e interagimos. E, segundo Confúcio, não os podemos mudar apenas com decisões racionais, porque muitas vezes nem temos consciência deles.
Então, como escapar dessas armadilhas invisíveis? A resposta está nos rituais.
O poder dos rituais: um espaço para mudar
Para Confúcio, os rituais são muito mais do que cerimónias ou tradições. São espaços especiais – ele chama-lhes espaços “como se” (as if) – onde somos forçados a agir de forma diferente, a sair dos nossos padrões habituais e a treinar novas formas de ser.
Nestes momentos, tornamo-nos, por instantes, uma versão diferente de nós mesmos, o que nos permite crescer e melhorar.
Um exemplo simples: "por favor" e "obrigado"
Voltemos à situação do jantar com o filho, a quem chamaremos Daniel. Quando o Daniel pede o sal de forma brusca ("Passa-me o sal!"), você insiste: “O que é que se diz?”.
Após algumas trocas de palavras, o Daniel cede e diz: “Por favor, passa-me o sal.” E, depois de o receber, “Obrigado".
Parece uma lição de boas maneiras, mas Confúcio vê algo mais profundo.
Neste pequeno ritual, a mãe/pai cria um espaço onde o Daniel é tratado como um igual, mesmo sabendo que não é – afinal, a mãe/pai é a figura de autoridade.
Ao dizer “por favor” e “obrigado”, o seu filho está a aprender a pedir com respeito e a expressar gratidão, ajustando o seu tom de voz e as suas emoções ao longo do tempo.
O objetivo não é repetir estas palavras como um robô. Se, ao crescer, ele disser “por favor” e “obrigado” em todas as situações, sem pensar, falhou o propósito do ritual.
A verdadeira aprendizagem está em desenvolver sensibilidade para perceber quando e como expressar respeito ou gratidão, dependendo da pessoa e do momento.
Este treino, que começa com um simples pedido de sal, ajuda Daniel a tornar-se mais atento e empático nas suas relações.
Porquê submeter-se aos rituais?
A ideia de "submeter-se" a rituais pode parecer estranha, especialmente numa cultura que valoriza a liberdade individual. Mas, para Confúcio, é exatamente por isso que os rituais são tão poderosos.
Não podemos mudar os nossos padrões sozinhos, porque eles são parte de quem pensamos que somos. Os rituais forçam-nos a sair dessa zona de conforto, a assumir papéis novos e a treinar emoções e comportamentos que não surgiriam naturalmente.
Num exemplo fascinante, Confúcio descreve rituais onde há inversão de papéis: um filho pode agir como se fosse o pai, e o pai como se fosse o filho.
Esta troca permite que ambos vejam o mundo a partir de uma nova perspetiva, promovendo empatia e compreensão mútua. É como se, por um momento, nos tornássemos outra pessoa, e isso abre portas para mudarmos quem somos no dia a dia.
Como aplicar isto hoje?
Vivemos numa era em que os rituais formais, como os sacrifícios aos ancestrais, são menos comuns. Mas Confúcio diria que isso não é um obstáculo.
Podemos transformar costumes do quotidiano – como uma refeição em família, uma conversa com amigos ou até uma troca de mensagens – em rituais.
O segredo está em tratá-los como oportunidades para sermos diferentes, para treinarmos a nossa paciência, gratidão ou empatia.
Por exemplo, imagine que, durante o jantar, decide criar um "ritual" onde todos partilham algo positivo do dia, mesmo que estejam com stress ou zangados.
Esse momento pode tornar-se um espaço "como se", onde todos são encorajados a ser mais abertos e conectados, quebrando o padrão de discussões ou silêncios.
Com o tempo, este hábito pode transformar a forma como a família se relaciona.
Tornar-se melhor: um ritual de cada vez
Os ensinamentos de Confúcio desafiam-nos a repensar quem somos e como vivemos. Em vez de procurar um "verdadeiro eu" ou de aceitar os nossos hábitos como inalteráveis, ele convida-nos a usar rituais para nos reinventarmos.
Estes espaços "como se" permitem-nos treinar a nossa sensibilidade, superar emoções negativas e construir relações mais harmoniosas. Não se trata de seguir regras cegas, mas de nos submetermos a momentos que nos tornam mais humanos.
Da próxima vez que estiver a ensinar alguém a dizer "por favor" ou a partilhar uma refeição em família, lembre-se: esses pequenos gestos podem ser mais do que parecem. Podem ser rituais que nos ajudam a crescer, a conectar e a tornar o mundo um lugar um pouco melhor – um "obrigado" de cada vez.
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