06 septembre, 2025 Cobrança adicional em exames pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS)
A imposição de custos inesperados no momento do exame é uma forma de pressão...
A cobrança de suplementos adicionais em exames prescritos e comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma prática que levanta sérias questões éticas, legais e sociais.

Nos últimos anos, têm sido relatadas situações em que utentes são confrontados, no momento da realização dos exames, com a exigência de pagamentos suplementares não comunicados previamente, sob justificações técnicas ou de atualização tecnológica.
Falta de transparência e comunicação prévia
Uma das principais críticas a esta prática prende-se com a ausência de comunicação atempada relativamente aos custos adicionais. Em diversos casos, as informações recolhidas revelam que os serviços de marcação, seja por via telefónica ou presencial, não informam os utentes da existência de suplementos.
Apenas no momento imediato à realização do exame é transmitida a exigência de pagamento. Este procedimento cria um cenário de vulnerabilidade, em que a recusa se torna praticamente inviável, uma vez que o utente já investiu tempo, recursos financeiros e, em muitos casos, perdeu um dia de trabalho para comparecer ao exame.
Abuso emocional e pressão sobre os utentes
A imposição de custos inesperados no momento do exame configura uma forma de pressão psicológica sobre os cidadãos.
Os utentes, confrontados com a possibilidade de perderem a consulta, de terem de aguardar novamente longos períodos de espera, ou de justificarem faltas laborais, acabam por ceder e pagar valores que não estão previstos na tabela oficial do SNS.
Esta prática, além do impacto financeiro, gera um sentimento de impotência e desgaste emocional, explorando a fragilidade daqueles que procuram cuidados de saúde.
Questões éticas e legais
Do ponto de vista ético, a cobrança de suplementos sem comunicação prévia compromete os princípios da transparência e da equidade no acesso à saúde.
Legalmente, a prática aproxima-se do fenómeno conhecido como double billing, em que uma instituição já ressarcida pelo Estado através do SNS, exige pagamentos adicionais diretamente ao utente.
Tal situação suscita dúvidas quanto à conformidade com a legislação vigente e levanta a questão de uma possível conivência ou falta de fiscalização por parte das autoridades competentes.
Impacto institucional e confiança no SNS
Este tipo de procedimentos não se limita a afetar financeiramente os cidadãos, mas coloca em risco a confiança da população no SNS e nas entidades prestadoras de cuidados de saúde.
A saúde, enquanto direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, não pode ser transformada num espaço de exploração comercial dissimulada.
Quando os utentes se apercebem de que práticas deste género são recorrentes, instala-se a perceção de injustiça e abuso, fragilizando a legitimidade institucional do sistema.
Enquadramento legal e políticas públicas de saúde
O direito à proteção da saúde encontra-se consagrado no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que "todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover", incumbindo ao Estado a responsabilidade de assegurar esse direito através de um serviço nacional universal e geral, tendencialmente gratuito.
Este princípio é reforçado pela Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro), que define a saúde como um direito humano fundamental e impõe ao Estado a obrigação de garantir o acesso equitativo a cuidados de qualidade, independentemente da condição económica ou social dos cidadãos.
Conclusão
A cobrança de suplementos não comunicados em exames prescritos pelo SNS representa um problema multifacetado que conjuga falhas de transparência, pressão emocional sobre os cidadãos e potenciais irregularidades legais.
Este fenómeno exige uma resposta firme por parte da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e do Ministério da Saúde. É imperativo garantir que as políticas públicas de saúde não sejam distorcidas por práticas comerciais encapotadas, e que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam respeitados.
Mais do que uma questão financeira, está em causa a proteção da confiança no sistema público de saúde e a salvaguarda da dignidade dos utentes, valores centrais para a coesão social e para a legitimidade democrática do Estado social português.
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