19 setembro, 2025 Sexo e Ansiedade: A pressão do relógio biológico
A realidade é que o tic-tac tem-se vindo a amplificar na minha cabeça, como um martelo a bater...
Há dias, num jantar, a Vanessa suspirou que o marido a está a pressionar para ter mais filhos e que ela tem andado a pensar nisso. A Júlia, que há muito decidiu investir as suas energias maternais num par de Border Collies, perguntou-lhe porque razão haveria de querer trocar mais fraldas na vida.

A Jorge, habituada a abrir corações no dia-a-dia, o que inevitavelmente lhe endureceu o seu, confessou que a ideia nunca lhe passou pela cabeça.
E eu... Bem, eu fiquei ali no meio, feita parva, a balançar entre a certeza e a dúvida, a tentar perceber onde raio estaria a minha verdade.
A realidade é que, desde há algum tempo, o tic-tac tem-se vindo a amplificar na minha cabeça, como um martelo a bater num prego torto, e não é uma metáfora barata.
A partir duma certa idade, o relógio biológico da mulher transforma-se naquele vizinho chato que nos bate à porta a toda a hora, a pedir uma chávena de arroz, uma colher de sal ou um menino de olhos azuis, de preferência um que faça pouco barulho, arrote depois de mamar e durma a noite toda.
Dentro de nós, aquela voz estridente não descansa – nem nos dá descanso:
– E se não tiveres filhos, Sara? Já imaginaste? Vais morrer velha e sozinha!
A família junta-se ao coro, olhando-me de alto a baixo como quem estuda um fruto seco e antecipando pelos cantos a minha irrevogável marcha para tia.
A minha chefe já me perguntou três vezes quando é que engravido. E até um amigo gay, uma vez que recusei um copo de vinho num restaurante, deu um gritinho de entusiasmo:
– Diz-me que não estás a beber porque estás a planear começar família?!
Devolvi-lhe um sorriso amarelo, para não lhe dizer que o vinho que ele tinha pedido era tão rasca que teria preferido espremer uma esfregona!
Mas o pior é que, mais uma vez, a dúvida ficou a roer-me como uma traça num armário de roupa velha.
– E se, quando eu quiser, já for demasiado tarde? E se o corpo me trair? E se, aos quarentas, olhar para trás e der comigo a lamentar a minha decisão?
A ansiedade aperta quando penso nos “e se”...
Já me flagrei a googlar fertilidade às três da manhã, a calcular ovulações como se fosse uma cientista louca. Mas depois rio-me, porque sei que não estou sozinha. Há mais mulheres que, como eu, ainda não sentiram o apelo do ninho, que são felizes com a sua independência, realizadas com o seu modo de vida.
Poderia ser a derradeira homenagem à liberdade de escolha. O problema é que a sociedade não é tão benevolente assim a escrutinar as nossas escolhas. Quer-nos mães, ponto final. Como se o nosso útero fosse uma utilidade pública. Como se tivéssemos para com a sociedade a dívida externa de conceber.
Já ouvi de tudo:
- O teu relógio vai parar!
- Não podes considerar-te uma verdadeira mulher até seres mãe!
- É o nosso papel na ordem instituída das coisas!
- Vais ficar seca por dentro!
- Como pensas casar um dia se não queres ter filhos?!
Mas, a ordem instituída por quem?!
E quem é que lhes disse que eu quero casar?!
E se o relógio for só um mito que nos vendem para nos manter presas?!
E se a minha verdade for não querer?! Não tenho direito a essa escolha, a viver intensamente, a realizar-me como mulher?!
A sociedade olha para a vida como o script duma novela previsível, e assusta-se facilmente quando qualquer personagem decide sair do trilho.
E eu, burra, às vezes, distraio-me, dou por mim a embarcar nesse comboio de fêmeas predestinadas, a correr atrás de um sonho que nem sei se é o meu.
Sim, às vezes, imagino uma barriga redonda, um belo par de mamas cheias de leite, uma coisinha cor-de-rosa e rechonchuda a rir-se para mim, a dar sentido à minha vida...
Mas, noutras vezes, respiro de alívio, compro três caixas de preservativos e uma garrafa de gin, ou cago para os preservativos e atiro-me ao sexo anal (nunca ouvi dizer que alguém engravidasse por ali), mergulho de cabeça na aventura desconhecida, no sexo sem compromisso, nas paixões despreocupadas...
E no outro dia, acordo ressacada, cheia de traques e feliz, e é tudo! É a ordem que instituí para a minha vida.
Não sei se um dia quererei ser mãe ou não. Sei é que não há um “certo” ou um “errado” nesta dúvida, digam-me o que disserem.
A força da pressão é bem real, mas a da libertação tem que ser mais. Seja qual for o script, a liberdade de escolha é e deve permanecer inegociável.
Da próxima vez que a minha mãe me perguntar sobre netos, acho que vou simplesmente rir e dizer:
– O meu relógio é preguiçoso, nunca tem pressa. Para já, marca prazer, não procriação. Se um dia lá chegar, que a hora seja pequena. Mas até lá, quero que todas as horas sejam tão grandes como a vida!
E tu, leitora, já sentiste o espectro deste tic-tac? Alguma vez lutaste contra ele?
Conta-me tudo pelo e-mail sexo-e-ansiedade@hotmail.com.
Até para a semana!
Beijos da
Sara X
(Sara escreve de acordo com a antiga ortografia)
- Sexo & Ansiedade: O dedinho maroto
- Sexo & Ansiedade: Ode às mulheres com pêlo (na venta)
- Sexo e Ansiedade: A tirania da performance
Sara X
Sexo & Ansiedade é uma crónica semanal assinada por Sara X, sobre a vida na cidade de 4 amigas – a própria autora, Júlia, Jorge e Vanessa –, que nos oferece um mosaico pitoresco das experiências quotidianas, stresses, problemas e aventuras da mulher moderna, com especial enfoque nas áreas amorosa e sexual.
Actuais e divertidas, curiosas e activas, tão diferentes e tão iguais, Sara e as amigas personificam a mulher do Século XXI na sua busca pela definitiva libertação, vencendo obstáculos e derrubando barreiras, sem nunca deixarem de fazer, pelo caminho, a festa que merecem...
Sara X é uma mulher directa, independente e sedutora. Escritora de profissão, distingue-se pela forma prática, “fora de merdas”, como olha para a vida. De natureza aberta, bissexual, gosta de chamar as coisas pelos nomes e escreve sobre o sexo tal e qual como o pratica: sem inibições.
As suas crónicas chegam agora ao Blog X
onde, por maiores que sejam os segredos e mistérios do “eterno feminino”, Sara não deixará nada por dizer!
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