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06 abril, 2021 Abraço Aveiro: Testes ao VIH anónimos e gratuitos para todos

Mais uma reportagem do Especial Associações que prestam apoio a trabalhadorxs do sexo.

A Abraço Aveiro é a associação destacada, neste mês de abril, no âmbito das reportagens especiais sobre as entidades que prestam apoio a quem faz Trabalho Sexual. Vem saber como a Abraço Aveiro atua no auxílio a trabalhadorxs do sexo.

Abraço Aveiro: Testes ao VIH anónimos e gratuitos para todos

O centro comunitário da Abraço Aveiro abriu em junho de 2020 no coração da cidade, próximo do Fórum Aveiro, na Rua Conselheiro Luís de Magalhães.

O espaço está aberto de segunda-feira a sexta-feira, das 12 às 20 horas e faz testes rápidos, gratuitos e confidenciais, ao VIH, à sífilis e às hepatites B e C.

Este projeto integra o leque de parceiros do Plano AproXima para estabelecer uma rede de apoio mais próxima e mais completa para quem faz Trabalho Sexual.

A psicóloga Mariana Vieira, que trabalha na Abraço Aveiro, explica ao Classificados X que o espaço realiza um "atendimento e acompanhamento personalizados, caso a caso”, de acordo com as pessoas que acolhe e com as suas “situações específicas".

O papel da equipa passa também por "informar e formar a pessoa em assuntos relacionados com a saúde sexual", nota a psicóloga.

Além disso, faz o encaminhamento de pessoas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em caso de VIH e de outras infeções sexualmente transmissíveis (IST). A associação tem um protocolo com o Hospital de Aveiro que permite acelerar a realização de consultas.

"Se alguém vier cá e houver o caso de um reativo ao VIH ou a outra infeção, ou se por acaso houver alguma sintomatologia que seja relevante, fazemos esse encaminhamento", explica Mariana Vieira ao X.

"A partir desse momento, a pessoa consegue ter uma marcação mais rápida e, no meio de tanta preocupação, consegue livrar-se da responsabilidade de lidar com essa marcação e com o contacto com os serviços", analisa a psicóloga, salientando que a associação faz a "articulação com o hospital".

“Serviço anónimo para qualquer pessoa"

A Abraço Aveiro tinha uma unidade móvel no distrito que dava apoio a trabalhadorxs do sexo (TS), mas esse serviço está, neste momento, "inativo".

A abertura do centro comunitário visou oferecer serviços num "horário de tempo maior para que mais pessoas conseguissem chegar até nós", destaca Mariana Vieira.

Contudo, xs TS são uma "população difícil de cá chegar", constata ao X a enfermeira Daniela Ribeiro que trabalha na Abraço há alguns anos, lamentando que não consegue "perceber porquê".

A enfermeira destaca que o local é "bastante acessível até através de transportes públicos". Além disso, é um "serviço anónimo e dirigido a qualquer pessoa", nota, sublinhando que os técnicos do espaço não abordam "questões mais pessoais e não clínicas".

"Há equipas que procuram perceber" se as pessoas têm "interesse em sair desse meio do Trabalho Sexual", repara Daniela Ribeiro, realçando que não é o caso da Abraço Aveiro.

"Nós aqui não fazemos essa abordagem, quando muito, se a pessoa o referir ou procurar algum apoio desse género, por uma questão de exploração, por exemplo, vamos procurar encaminhá-la para a resposta adequada", frisa.

"Não identificamos as pessoas, não procuramos perceber qual é a situação legal delas, nem situação de trabalho", diz ainda, salientando que não existe "o risco de alguém fazer algum tipo de queixa quanto à legalidade ou não dessa pessoa".

Daniela Ribeiro admite que possa existir "algum receio" por parte dxs TS de "serem mais facilmente identificáveis ou reconhecidas" por irem ao centro comunitário.

Mas é importante "desconstruir esse conceito", aponta, realçando que o espaço "não é dirigido especificamente para nenhuma população". "É para a população geral" e não apenas para "grupos mais vulneráveis", conclui.

A expectativa de Daniela Ribeiro é que a Abraço Aveiro consiga, nos próximos tempos, "uma melhor e maior adesão da população" aos seus serviços.

Abraco Aveiro 2

Aveiro é um dos distritos com mais novos casos de VIH

A abertura do centro comunitário em Aveiro surge no âmbito de uma natural ampliação da rede da Abraço pelo país, mas também está associada a um dado estatístico relevante.

É que Aveiro é o quinto distrito do país com maior incidência de novos casos de infeção por VIH que são diagnosticados.

"Não há um dado específico que o justifique", nota Daniela Ribeiro ao X, considerando, contudo, que o "potenciador deste número elevado de casos" pode ser o "crescimento da própria cidade".

Nos últimos anos, Aveiro teve "um crescimento exponencial" e um "aumento da população jovem", analisa a enfermeira. E são também os mais jovens que têm "maior procura e maior adesão ao rastreio", acrescenta.

Assim, "o facto de estes números estarem a aumentar pode não ser todo negativo" e estar relacionado com um aumento nos diagnósticos feitos, analisa.

Demasiados diagnósticos tardios

A questão da deteção das pessoas infetadas é fundamental para travar a propagação do vírus. Mas "Portugal tem um número muito elevado de diagnósticos tardios", sobretudo em homens heterossexuais, lamenta Daniela Ribeiro.

"Muitos diagnósticos" são feitos "quando a pessoa já está infetada há vários anos", aponta a enfermeira, constatando que "existirá muito mais população que está infetada e não sabe".

Daniela Ribeiro nota que há uma "diferença significativa" entre as pessoas mais velhas e as mais novas no que se refere à procura pelos rastreios. São, sobretudo, os jovens a fazer os testes.

"A média de idade das pessoas que chegam até nós, está nos 29 anos", aponta Mariana Vieira que nota que é "raríssimo" atender "pessoas mais velhas, principalmente de certos grupos que, por questões culturais, é difícil chegar até elas".

Uma circunstância preocupante quando os dados indicam que há "grande incidência" de VIH em "pessoas mais velhas", como refere Daniela Ribeiro ao X.

Além disso, a enfermeira nota que uma "grande percentagem das pessoas que procuram os serviços sexuais são populações mais velhas que, muitas vezes, não utilizam preservativo". Ora, tendo "comportamentos de risco" e, uma vez que "não procuram os rastreios", é uma situação altamente perigosa.

Portugal tem uma das mais elevadas taxas de novos casos de VIH/SIDA no contexto da União Europeia. Um dado que Daniela Ribeiro associa a estes "diagnósticos tardios".

"Se a pessoa está há cinco ou mais anos infetada sem saber, existe o risco elevado de estar a infetar outras pessoas sem saber", o que é "muito preocupante", considera.

Maioria dos infetados detetados tem entre 25 e 29 anos

Os dados mais recentes da Direção Geral de Saúde (DGS) sobre a situação do VIH/SIDA, em Portugal, reportam a 2019. Nesse ano, foram diagnosticados 778 novos casos de infeção, sendo a maioria homens, com idade média de 38 anos.

"Em 24,1% dos novos casos os indivíduos tinham idades superiores a 50 anos" e "65,2% dos casos diagnosticados em indivíduos de idade inferior a 30 anos" foram em homens que têm sexo com outros homens, de acordo com o relatório da DGS.

É na faixa etária dos 25 aos 29 anos que se encontra a taxa de casos detetados mais elevada, sendo que 50,4% dos indivíduos diagnosticados viviam em Lisboa. O Algarve é a região com a segunda taxa mais elevada de casos.

Em 2019, foram registadas 197 mortes devido à SIDA, com 22,8% das mesmas a "ocorreram nos cinco anos subsequentes ao diagnóstico da infeção".

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Um alto custo social e financeiro

Atualmente, já se fala do VIH/SIDA como uma doença crónica, fruto da evolução dos medicamentos.

"Uma pessoa com VIH consegue ter uma vida completamente normal em termos físicos", analisa Mariana Vieira. "Tal como uma pessoa com diabetes toma uma medicação para o resto da vida, o VIH, em termos médicos, acaba por se equiparar", acrescenta.

Mas "em termos sociais, não houve esse avanço", aponta a psicóloga, notando que continua a ser "uma problemática social".

"Quando acontece de haver um reativo, a preocupação das pessoas não é tanto com o tratamento, mas é como vou lidar com isto, como vou contar à minha família, aos meus amigos, ao meu parceiro", relata esta profissional da Abraço Aveiro.

"As pessoas, muitas vezes, não têm redes de apoio" ou vão perdendo esses apoios, por exemplo, quando contam ao parceiro - "muitas vezes o parceiro acaba por desaparecer ou por não dar o apoio necessário", refere Mariana Vieira.

Portanto, mesmo que a medicação permita aos infetados terem uma "carga viral tão baixa que é indetetável e intransmissível para parceiros", as pessoas não infetadas "ainda veem o VIH e a pessoa com VIH com preconceito", aponta a psicóloga.

Mariana Vieira acrescenta que a doença também tem um "elevado custo" para o SNS de saúde "porque o tratamento de uma pessoa com VIH, ao longo da vida, é bastante dispendioso".

Por isso, realça a importância de um "maior investimento" na prevenção, destacando que projetos como a Abraço Aveiro são essenciais neste campo.  

O que são a PrEP e a PPE e como ter acesso

No campo da prevenção do VIH/SIDA, existem duas abordagens recentes, em termos de medicação, que podem ajudar a reduzir o número de infeções. Estamos a falar da Profilaxia Pós-Exposição (PPE) e da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).

Mariana Vieira explica ao X que a PrEP é "o que a pílula é para a mulher", sendo uma medicação de "toma contínua" para "prevenir" o contágio com o VIH. Está "disponível para qualquer pessoa" e só depende da "vontade" de cada um iniciar a toma.

Já a PPE é "a pílula do dia seguinte", ou seja, "o remediativo", nota ainda a psicóloga, esclarecendo que esta medicação "pressupõe que houve um contacto de risco" e que é "bastante forte", tendo que ser feita durante "28 dias".

A PPE pode ser tomada "em qualquer urgência hospitalar", por exemplo depois de a pessoa ter um contacto sexual que considere de risco.

"Muitas vezes, há uma avaliação do profissional de saúde da situação de risco", até para evitar que haja pessoas que a tomem "continuamente", "não como última linha, mas como primeira linha" de prevenção, explica ainda Mariana Vieira.

Esta avaliação que é feita nos hospitais prende-se com o facto de poderem surgir "outros problemas [de saúde] se a toma for bastante continuada".

Mariana Vieira esclarece que a PrEP será a melhor escolha, pois "mais vale prevenir do que remediar".

Em Aveiro, a PrEP ainda não está disponível, mas no centro comunitário fazem "o encaminhamento para o Porto", para o Hospital de S. João ou de Santo António, revela a psicóloga.

"Há muitas pessoas que estão interessadas, muitas vezes, casais sero discordantes, em que um tenha [VIH] e o outro não, pessoas que têm múltiplos parceiros e que não se adaptam ao preservativo", exemplifica a profissional.

Mariana Vieira nota que "a população de homens que faz sexo com homens recorre muito à PrEP", considerando que é resultado do "passa-a-palavra". "Muita gente vem cá à procura da PrEP porque ouviu alguém a falar" dela, constata.

"Mais vale saber"

O centro da Abraço Aveiro abriu já com a pandemia instalada e nunca fechou. Como presta serviços de saúde e, portanto, essenciais, manteve-se sempre aberto, mesmo durante o confinamento. Por isso, não há motivos para adiar uma visita.

Mariana Vieira refere ao X que "muitas pessoas estão na dúvida" e que chegam ao espaço "com ansiedade".

"Passam meses" a decidir fazer os testes e quando chegam à Abraço, "alguns dizem, há duas semanas que não durmo", conta a psicóloga. "Nós dizemos-lhes, o resultado está em ti, tu só vens aqui sabê-lo", aponta.

"Mais vale saber", reforça a profissional da Abraço Aveiro, concluindo que "a deteção e o tratamento precoces são mais eficazes". E quando se adia o diagnóstico é arriscar já chegar demasiado tarde.

 

Contactos da Abraço Aveiro

Morada: Rua Conselheiro Luís de Magalhães n 37, R/, Loja D, 3800-137 Aveiro
Horário: 2ªfeira a 6ªfeira, das 12 horas às 20 horas
Telemóvel: 937 157 270
Email: maisabraco@abraco.pt
Site: https://abraco.pt/

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Especial Associações - Anda conhecer melhor quem apoia trabalhadorxs do sexo:

APF Alentejo

Associação Existências

Autoestima

CAD Porto

GAT Almada / GAT Setúbal

Liga Portuguesa Contra a SIDA

Obra Social das Irmãs Oblatas

Plano AproXima

Porto G

Gina Maria

Gina Maria

Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.

"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]

+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas) 

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