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04 Noviembre, 2021 É para o lado que durmo melhor

Era para o lado que dormia melhor: o dele. Eu não descansava enquanto ele não chegava. Quando chegava, as minhas cuecas estavam empapadas, a escorrer às vezes há horas.

É para o lado que durmo melhor

Não conseguia pensar noutra coisa. Não fazia a lida da casa, não fazia jantar, não via novelas. Mal chegava a casa do trabalho enfiava-me na cama e esperava. Tocava-me ou não, era indiferente, os fluídos vazavam da minha cona para o lençol, um rio imenso.

Esperava que ele viesse, mas não me vinha, simplesmente desaguava todo o desejo que ele me fazia sentir, como nunca ninguém antes fizera.

O que tinha ele de especial? Nada. Era basicamente o desenho minimalista e funcional de todos os outros que tive antes dele. Uma cabeça, um tronco, dois braços, duas pernas, um caralho. Não tinha uma coisa que o distinguisse. Cagava como os outros e dizia merda como os outros, à gajo.

Chegava a cheirar mal, por preguiça não tomava banho quando ia para a cama. Quando ele entrava já o meu estômago se retorcia com aquela fragrância de suores secos, a sovaco, a chulé, a guerreiro que acabou de sair da batalha. O meu nariz tremia, mas a minha cona palpitava.

Era como se o meu corpo desligasse de mim e se entregasse ao dele; nós, os governantes desses corpos, não tínhamos nada a ver com o assunto.

Ele sabia e fazia de propósito, demorava-se para aumentar o meu desespero. Achava que assim a sua entrada seria mais triunfal, estando eu há tantas horas na expectativa de o receber. Às vezes não vinha e aí residia o tributo que eu tinha que pagar, o preço de tanta felicidade: eu nunca sabia quando ele ia aparecer!

Outras vezes só chegava já dentro da madrugada. Caía com o corpo cansado, nu, indiferente. Eu estava acordada, a verter como uma ilha que fabrica o seu próprio oceano. Ele ajeitava a almofada e virava-se para o outro lado. Era para o lado que dormia melhor.

Não era por acaso que se virava de cu para mim. Ele sabia e fazia de propósito. Eu não o tocava, não o acariciava, não o tentava excitar. Nenhum de nós era bom em preliminares.

Nunca sequer falávamos, porque não tínhamos nada a dizer. Era uma coisa dos corpos, superior a nós e aos nossos interesses mundanos. Não éramos prosaicos. Não nos medíamos pela inteligência. Não exigíamos sensibilidade ou bom senso. Fodíamos, fodíamo-nos e era tudo. Ele esperava-o.

Eu metia-lhe dois dedos no cu. Era remédio santo para lhe levantar o pau. Eu ia e vinha com os dedos e com a outra mão agarrava-lhe no pau. Quanto mais acelerava os dedos mais duro ele ficava. Era ele próprio quem me tirava as mãos de cima – e de baixo –, dizendo-me sem palavras que já chegava, porque senão vinha-se.

Então era a vez dele. Com modos brutos, impaciente, virava-me ao contrário e enfiava-me o caralho gigante no ânus. Eu gemia como se tivesse um gemido guardado há muitos séculos. Não precisava de muito para me vir, mas era só a primeira vez.

Depois de me enrabar com uma força que quase sugeria rancor, depois de apreciar como toda eu tremia com o estertor do primeiro orgasmo, rodava para cima de mim até se acomodar no meio das minhas pernas. Tinha umas ancas largas e abria-me toda.

Era então que começava verdadeiramente o serão. Era a cena dele, o missionário. Porque a cena dele era o controle. Dali era ele que comandava tudo, o ritmo, a intensidade, o investimento.

Quando estava para aí virado, esmagava-me até de manhã, sem parar de montar, mais depressa, mais devagar, com mais força, com mais ronronar… Era um deus que me consumia, que me escravizava até eu arfar. Eu vinha-me uma vez atrás da outra, ele sabia como me orquestrar.

Quando o despertador tocava mal tínhamos trocado uma palavra mas estávamos numa poça ardente de desejos concretizados. Então ele tirava o caralho da minha pobre cona dorida e sentava-se com as pernas em redor do meu tronco, sobre a minha cintura. Apalpava-me as mamas e esgalhava o caralho.

E então, com um uivo de animal libertado, jorrava litros brancos para cima do meu corpo, nas tetas, na cara, nos cabelos.

Depois de me inundar por dentro, de fazer de mim a sua cascata humana, encharcava-me por fora. Só aí trocávamos o primeiro beijo da noite, adocicando as respectivas salivas com o sal da sua esporra.

Quando me metia no duche, o líquido que entrava pelo ralo era o dobro do que saía pela torneira.

Voltava ao quarto com a toalha enrolada, ansiosa por vê-lo mais uma vez, àquele corpo selvagem, àquele caralho mudo e grosso, mas ele já não estava. Então vestia-me e ia para o trabalho e era tudo.

Era muito cedo e só pensava: à noite, quando regressasse a casa, logo se veria. Não conseguia pensar noutra coisa. Não faria a lida da casa, não faria jantar, não veria a novela. Iria para a cama esperar por esperar.

É para o lado que durmo melhor. Apenas esperar. Sem me vir. Sem saber se ele vem.

Armando Sarilhos

Armando Sarilhos

Armando Sarilhos

O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.

Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.

Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com

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